segunda-feira, abril 20

MEU PÉ DE CAJÁ-MANGA

Nasci e me criei em Vitória e aos 22 bati asas e fui conhecer o mundo, passando antes por um período de adaptação de pouco mais de 3 anos entre Brasília e São Paulo. Sem raízes familiares nem afetivas com a zona rural, acabei me tornando uma pessoa muito urbana, que adora o conforto e as possibilidades de toda ordem que as cidades oferecem. Acho um tédio passar mais que dois dias numa cidade do interior, mesmo que seja para descansar. Não estou dizendo que não goste da proximidade com a natureza, não seria tão estúpida, mas não preciso mais que mar, parques, jardins e morros presentes na paisagem urbana.

Quem não conhece os inconvenientes de viver numa cidade como Vitória? Mas confesso que me sinto confortável no meu esconderijo. E é bem provável que o fato de morar numa casa e não num apartamento tenha algo a ver com essa sensação. Morram de inveja – moro numa casa com quintal. Não é muito grande, mas suficiente para ter, além da parte cimentada, uma área de terra. Nela reina, soberano, um enorme pé de cajá-manga. Quando fui construir a casa, ele já estava ali há cerca de nove anos, por isso o projeto foi adaptado para poupá-lo de qualquer incômodo. Ou seja, em lugar de uma ampla edificação ocupando todo o terreno disponível, preferi projetar uma casa de dois pavimentos, conservando a simpática árvore. A residência está de frente para o cajazeiro, de modo que, de todas as janelas se pode avistá-lo. A janela do meu escritório, onde estou agora, fica a menos de três metros de distância. Foi uma decisão mais que acertada, porque o cajazeiro se tornou uma companhia protetora durante esses vinte e oito anos em que estamos juntas.
Meu pé de cajá-manga me protege do calor excessivo, filtra a poluição atmosférica para que eu respire melhor, amortece o impacto das tempestades, carrega a energia solar, que me devolve em doses diárias suficientes para me manter saudável e disposta. No meu pé de cajá-manga habitam bem-te-vis, sabiás e outros pequenos pássaros que não sei o nome, mas que integram a orquestra que toca belas sinfonias nos dias ensolarados. No meu pé de cajá-manga vive um casal de corujas, que invariavelmente me avisa que chegou a noite. E como se não bastasse, o meu pé de cajá-manga me presenteia, todo mês de abril, com frutos suculentos e doces da melhor qualidade. A produção é tanta que não dou conta de absorvê-la sozinha. Huuummm, é de dar água na boca! Já tenho os fregueses certos, amigos, parentes, vizinhos ou alguém que passa na rua e, sentindo o delicioso cheiro, interfona perguntando se posso “dar um cajá”. O suco é apreciado por todos. Eu, particularmente, gosto do suco bem concentrado, não é preciso nem colocar açúcar.
Não é muito fácil encontrar cajás nas feiras e mercados. Principalmente iguais aos que meu pé de cajá-manga produz. Agora, se você ficou com vontade de provar essa delícia, vem correndo pegar aqui em casa, o pé ainda está carregadinho. Esta é sua última oportunidade, porque meu pé de cajá-manga não vai sobreviver para outra carga. Dentro de dois meses me mudo para um apartamento. Meu pé de cajá-manga vai dar lugar a um edifício de doze andares!

8 comentários:

  1. Meu pé de cajá-manga, meu pé de cajá-manga, meu pé de cajá-manga... achei super divertida essa repetição. Parece que eu ouvi você contando tudo isso sem pausa e com muito gosto. Nossa, Regina, é uma pena ver esse exagero acelerado da urbanização... eu gosto do interior, sabe, mas sei que a cidade também é o meu lugar. Só que os pés de cajá-manga deveriam ser mantidos pra sempre, em qualquer lugar. Chegou dar água na boca...

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  2. Pois é, Sarah, é a única coisa que está me deixando melancólica de ter que botar a casa abaixo. Como é que vou fazer sem meu cajazeiro? Hein? Hein?

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  3. Olá regina,
    Lindo seu texto, um texto assim... cheio de coração, cheio de você mesma, belissimo!
    Não se trata só da destruição de uma casa, porque ali habitam (tenho certeza) tantas historias, uma em cada cantinho, seja da casa, seja do quintal..
    Seu pé de cajá-manga te presentei com os frutos abundantes, sinal de vida saudável prá ele, que também gosta da sua companhia, gosta de estar aí...
    Sempre fico triste quando ouço uma história como a sua, uma casa que vira edifício... mas, sem romantismos, sei que isso acaba sendo inevitável em alguns momentos, afinal estamos num centro urbano... Quando será que aprenderemos que também os centros urbanos podem manter suas árvores?
    bj
    Adri

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  4. Poxa.. e só agora voce fala que tinha um pé de cajá professora? Soubesse isto antes, já teria pedido um saco cheio de cajá para voce. Lembrei do Meu Pé de Laranja Lima, tão bnito quanto... fiquei triste...

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  5. Poxa Regina agora que eu estou tomando conhecimento das corujas que dormem no cajazeiro pois vc nunca falou deste assunto.
    Eu gostaria de fotografá-las para o meu link.
    E agora?
    GuilhermEgito

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  6. oi,gostaria de saber se o ´pede caja-manga realmente foi destruido.fiquei muito triste bjs

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  7. pois é, caro anônimo... é a pura verdade... você não faz ideia de como ele faz e ainda vai fazer muuuuuuita falta. agora, relendo o texto, fiquei pra lá de down, as lágrimas acompanham, silenciosas, essa imensa tristeza. acredite, não havia outra solução senão sacrificar meu pé de cajá docinho...

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