segunda-feira, setembro 20

Sarah salvação



Sarah diz que gosta. Eu gosto que Sarah goste.
Sarah ri com as bobagens. Eu gosto de fazer Sarah rir.
Sarah lê, opina, faz piada. Eu adoro receber comentário de Sarah.
Sarah sara minhas dores e alegra minha tristeza.
Um escriba sem leitores tem utilidade não.
Então seria Sarah minha salvação?

domingo, setembro 19

A beleza e a miséria

Por causa desta foto aí em cima quase levei porrada, acredite se quiser.Era um domingo de sol belíssimo, havia dezenas de ônibus de turistas estacionados nas redondezas da Casa Rosada e da Plaza de Mayo. Cada movimento era um flash. Impossível tirar uma foto sem a participação de penetras no ângulo escolhido. Foi aí que avistei a cena perfeita: no meio da praça, numa espécie de tanque, indiferentes ao sol e ao barulho das pessoas circulando, três homens dormiam tranquilamente. De repente ouço alguém me interpelando: Señora, usted no tiene que sacar fotos a esto, fotografe la belleza de Buenos Aires e no la miséria. Isso aos berros, tanto que juntou gente para saber o que estava acontecendo. Eu, muito atrevida, respondi no mesmo tom: Eu fotografo o que eu quiser e você não tem nada com isso. Eu quero registrar é a miséria mesmo. O fanático argentino continuou praguejando, enquanto eu também fotografava as faixas afixadas por toda parte na praça, testemunhas de que os adversários políticos do casal Kirchner não dão trégua. Felizmente a multidão estava ali a me proteger. Se não, talvez o brutamontes tivesse arriscado a me tomar a câmara na marra.

segunda-feira, setembro 13

Mas nem tudo são flores...

Da crise econômica em que se viu enredada no final dos anos 90, a Argentina não conseguiu se livrar até o presente. Dívida externa, desemprego, baixos salários, custo de vida alto para os padrões dos trabalhadores. No entanto, pode-se passear tranquilamente pelas ruas, nenhum pivete arranca sua bolsa e sai correndo nem ninguém encosta um tresoitão na sua nuca pedindo o celular, o relógio e toda a grana. Mas numa coisa temos que ficar de olhos bem abertos: com o dinheiro bloqueado e sendo liberado a conta-gotas pros donos, a solução encontrada por quadrilhas foi fabricar sua própria grana, independente da vontade da Casa da Moeda argentina. Assim, criou-se uma cultura de falsários. Muitos pesos falsos, iguais aos verdadeiros, com marca d’água, detalhes prateadinhos e tudo o mais são repassados por taxistas e comerciantes na maior tranqüilidade. Pagou com uma nota de cem, o troco pode vir com uma nota de 50 fake, as mais fáceis de passar. E a falsificação não é só de pesos não, também há dólares made in Argentina circulando. Por isso a turistada brasileira prefere pagar as compras com reais mesmo ou com cartão de crédito. É mais seguro e evita aquela cara de “o que é que eu faço agora?”. Obviamente a única coisa a fazer é ouvir um tango argentino.


Aí em cima a nota que esta vítima recebeu de algum espertinho portenho, igualzinha à verdadeira; a única diferença é o papel: passando a mão se percebe que é fotocópia, me explicou um senhor honesto. Pode?

domingo, setembro 12

'Bora comprar!















A disputa entre argentinos e brasileiros é antiga e não se resume aos assuntos futebolísticos, como se sabe. Queira ou não queira, a Argentina tem que aceitar o fato de sua extensão territorial ser três vezes menor que a nossa, o que nos dá certa vantagem. Por outro lado, ela apresenta outros indicadores que são de nos matar de inveja: letramento e cultura, por exemplo. O turista brasileiro mais desavisado deve se perguntar por que razão há tantas livrarias no centro de Buenos Aires e por que ficam abertas até as 10 horas da noite, inclusive aos domingos. Um luxo, não? Além disso, não dá para não admitir que a mais européia das capitais da América do Sul é uma cidade linda e confortável, com suas largas avenidas, trânsito organizado, parques e praças por toda parte. Vale a pena conhecer também os bairros de Palermo, Recoleta e San Telmo, onde estão os melhores condomínios e casas, e os monumentos históricos da cidade, desde a Casa Rosada, sede do governo, passando pelo Teatro Colón, Obelisco, Praça de Mayo, Torre Monumental, Congresso Nacional, museus e também o mais importante ponto turístico para os brasileiros: a Galeria Pacífico, a catedral do consumo, no coração da famosa calle Florida. Aí é só comprar, comprar, comprar. Tudo muito barato, já que dois pesos valem um real. Está entendido por que os brasileiros aproveitaram a festa da Independência para invadir Buenos Aires? Eu também estava lá, mas meu objetivo era só relaxar.

sábado, setembro 11

Buenos Aires, capital do Brasil

Pelo menos nesta segunda semana de setembro, a capital federal, como se referem os orgulhosos argentinos a Buenos Aires, estava mais para capital brasileira, para felicidade da indústria hoteleira e do comércio local. Pelas ruas, o português brasileiro com seus vários sotaques nordestinos, carioca, paulista, mineiro e outros fazia concorrência com a fala corrida dos portenhos. Nas lojas, à pergunta “quanto custa” os vendedores respondiam primeiro em reais, “apenas tantos reais”. Nos restaurantes, podia-se reconhecer os brasileiros de longe - os grupos que estivessem falando e rindo mais alto, satisfeitos por pagarem tão barato por uma carne de primeira com batatas fritas. É, arroz e feijão não tem, mas aí já seria perfeição de mais, né? Os argentinos são pacientes com a falta de educação dos brasileiros, afinal está entrando dinheiro. Mas agir como se estivessem na casa da mãe Joana, francamente, isso é coisa de marinheiro de primeira viagem, que está se achando só porque cruzou a fronteira. Me poupem.

I'm back

Estou de volta pro meu aconchego/ trazendo na mala bastante saudade/querendo um sorriso sincero, um abraço/ pra aliviar meu cansaço/ e toda essa vontade...

sábado, julho 24

Pra começar, um pouco de poesia

Quem melhor que o querido Leminski para interpretar o que vai na alma da gente? Não me lembro se já postei esse poema daí de baixo, mas sempre vale a pena reler. Viva Leminski!


Bem no Fundo

No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto

a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo

extinto por lei todo o remorso,
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais

mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.
(Paulo Leminski)

Por onde anda a escrevinhadora?

Nossa! Logo logo vai fazer dois meses que desapareci daqui. Que vergonha!
O pior é que dei um olhada e descobri que a fonte está seca. O problema é comigo mesma, que furei um compromisso que tinha estabelecido. Aposto que
ninguém deu pela minha ausência, ninguém lê minhas abobrinhas mesmo.
Vou pensar em alguma coisa, vou pensar em alguma coisa...

sábado, junho 5

Sinal Fechado

Dia de lembranças melancólicas. A música de Paulinho da Viola foi composta em 1969 e acabou virando hino da ditadura, que instalou o medo e impediu a comunicação entre as pessoas, calando as amizades. A palavra de ordem era sobreviver, cuidar da própria vida, sem ter tempo para cultivar as amizades. Mais de 40 anos depois, a ditadura acabou, mas a metáfora da canção continua verdadeira. O sinal ainda está fechado para encontros. Os amigos ainda estão preocupados em buscar seu lugar no futuro. E o agora?


quinta-feira, junho 3

Haja pobreza de espírito!


Por força das circunstâncias, trabalho entre muitos narcisos. Nada contra pessoas com auto-estima no grau máximo, mas quando sua atitude se transforma em agressão aos colegas, perco a paciência. O problema é que elas – as tais narcisistas - só olham pro próprio umbigo e não estão nem aí para a existência e os direitos dos outros seres. A competição no trabalho as torna egoístas: na distribuição das tarefas, querem sempre escolher primeiro, os outros que fiquem com o resto. E quando alguém lhes diz alguma verdade, desnudando seus secretos interesses, aí é um deus-nos-acuda, viram bicho, perdem as estribeiras, botam a boca no trambone. O pior é que posam de gente do bem, gente piedosa. Pobres de espírito, isso, sim, é o que são. Na última semana tive que enfrentar duas dessas criaturas e fui forçada a lhes mostrar que o mundo não gira conforme sua vontade. Disgusting! Mas de vez em quando alguém precisa trazer essas colegas de volta à realidade. Pronto, falei!

domingo, maio 2

Feriado no sábado, ruas desertas?



Sexta-feira, seis horas da tarde. Ia receber a família para um vin d’honeur, daí resolvi ir ao supermercado comprar umas cositas para mastigar. Bem, parece que todos no bairro tiveram a mesma ideia porque tinha gente saindo pelo ladrão. Primeiro foi uma guerra para estacionar. Depois uma luta para encontrar um carrinho disponível. Parecia que tinham anunciado alguma catástrofe para os próximos vinte dias e o povo tinha corrido para comprar provisões. Nada disso: era fim de mês e véspera de feriado de primeiro de maio (logo no sábado, que pena), não tinha mais o que comer em casa, imagino. O pior foi enfrentar a fila do caixa depois: mínimo de quarenta minutos, sem direito a reclamação. Pensa que acabou? Que nada, o trânsito estava uma loucura! Como são pacientes e educados os motoristas desta cidade! E em especial deste bairro, Jardim da Penha. Aliás, o trânsito aqui é um caso à parte. Nas rotatórias, quem vem na pista da esquerda quer entrar (e entra!) na rua da direita. Nas pracinhas (ai, as pracinhas!), há pelos menos quatro faixas para pedestres, então é preciso atenção redobrada para não atropelar ninguém: as pessoas vão atravessando, cheias de orgulho, se sentindo cidadãs que podem atravessar as ruas em passo de tartaruga, que os motoristas esperam cal-ma-men-te. Tão calmos, que mal avistam um pedestre vindo em direção à faixa, mesmo que faltem ainda uns dez metros, já freiam para esperar que elas cheguem ao meio fio. EITCHA! Daí vem mais outra, mais outra, mais outra... e mais uma bicicleta, mais duas motos... Ai, como são civilizados motoristas e pedestres, em Jardim da Penha, em sua convivência exemplar!

quinta-feira, abril 8

Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa!

Terça-feira, dia 6, 17 horas. Mal acabei de estacionar meu carro na porta do edifício Master Place, nas imediações da av. Leitão da Silva, e a chuva caiu, com vontade! Tinha uma consulta médica marcada para o horário, mas a consulta só aconteceu uns quarenta ou cinqüenta minutos depois. No consultório, os comentários sobre a chuva e a possibilidade de enchente. Mas a atendente tratou de me acalmar, alegando que aquela “chuvinha” não dava pra encher rua nenhuma. Acreditei. Quando desci do prédio e vi meu carro quase sendo levado pelas águas, entrei em pânico. A água estava quase entrando carro adentro. Não dava pra esperar, tirei os sapatos, arregacei as calças e arrisquei. Nem sei como consegui acelerar , em primeira e segunda, e rodar por uns duzentos metros dentro daquela maré, até chegar a um posto de gasolina, que fica num plano mais alto. Muitos carros haviam tido a mesma ideia e o movimento ali era enorme. O terror devia estar estampado na minha cara. Percebendo meu descontrole, um frentista veio até mim, disse para eu deixar o carro ali mesmo, me ofereceu um copo d’água e me ajudou a lavar as pernas com a mangueira, já que a água da chuva tinha se misturado aos esgotos do valão da avenida. Creeeeeeeeeeedo! Imagine a cena. A água sempre subindo mais, e a perspectiva de eu ficar ali até muito tarde. As imagens das enchentes de São Paulo e de Minas, com carros à deriva e gente sendo arrastada pelas enxurradas não me saíam da cabeça. Uma coisa é ver na tevê, outra coisa é ser personagem de uma novela como essa. Olhei em volta e vi um grupo de marmanjos em frente a loja de conveniências, que se divertia jogando sinuca, comendo churrasquinho e tomando cerveja. Daí relaxei também. Esperei, esperei, esperei. Por volta das 8 e qualquer coisa, a chuva deu uma trégua e o esgoto começou a baixar lentamente. Assim que deu, pus meu anfíbio em movimento e enfrentei o congestionamento na reta da Penha. Lá pelas 9 e quarenta, cheguei em casa. Nível máximo de estresse, mas viva.

sábado, abril 3

Com chocolate e com afeto




Que nesta Páscoa as esperanças de um mundo melhor se transformem em realidade.
Façamos a nossa parte!
Boa Páscoa a todos os meus queridos leitores!

sexta-feira, abril 2

E aí, seu Coelho?


Coe-lhi-nho da Pás-coa, que tra-zes pra mim? Um o-vo, dois o-vos , três...
Ei, seu Coelho, dá pra negociar todo esse chocolate? Se eu engordar mais um quilo, explodo! Daí que prefiro algo mais diet. Que tal um moreno, grisalho, em forma, olhos de qualquer cor? Nem alto, nem baixo, nem gordo, nem magro e, principalmente, aparência de homem, conversa de homem, cheiro de homem, pegada de homem, inteligência e iniciativa de mulher. Ah, tem que ser livre e desimpedido e querendo algo mais que uma sombra pra amarrar o cavalo. E também gostar de retribuir sem usura tudo o que receber. Por último, tem que ser muito divertido e pouco pegajoso. O quê? Tá difícil juntar tudo isso numa pessoa só? Tá bem, tá bem, então pode substituir por um Alpino nº 23 da Nestlé. Dá quase no mesmo!


quarta-feira, março 17

Mais poesia


Hoje vamos de Ferreira Gullar.
Adoro!


Traduzir-se


Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?

sábado, março 13

Nada a declarar



Tem sempre um Leminski pronto para socorrer a gente quando não sabemos o que dizer. É só buscar na coletânea e encontramos algum poema que traduza a ideia que está lá em nossa cabeça, mas insiste em não tomar a forma que se deseja. É, veia poética não é pra qualquer um!
Bem, fui lá beber na fonte do poeta e encontrei algo bem de acordo com meu estado de espírito: mais que irreverente, abusado .

Razão de Ser


Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?

(Paulo Leminski)

segunda-feira, março 8

DIA DE QUÊ???


Eles morrem de inveja por termos um dia só nosso, um dia para comemorar nossa inteligência, nossa garra, nossa força e nosso olhar generoso sobre a vida e as pessoas. Profissional, mãe, avó, amiga, companheira, “mulher é desdobrável”, como diz Adélia Prado. Por que não tem também um dia do Homem? E dia do Sogro? Vocês não querem igualdade de direitos? Justamente porque queremos, sim, igualdade de direitos, é que existe um Dia da Mulher. Ora, vão estudar um pouco de História para saber como essa comemoração surgiu. E nos deixem curtir em paz nosso dia, nosso brilho que incomoda, nossas virtudes. O dia 8 de março é só para lembrar a vocês, homens, que nós existimos e que o mundo pode ser bem melhor quando vocês nos aceitarem, de braços e corações abertos, como aliadas.

sexta-feira, março 5

Meu pé esquerdo, parte 2 – a missão

Pé de árvore, pé-de-valsa, pé de vento, pé-de-moleque, pé de pato, pé-de-galinha. Pé de anjo, pé quente, pé frio, pé na tábua, pé do ouvido. Pé na bunda? Não!! Pé, pezinho, pezão. Ai, meu pé! Até quando vou ter que te adular? primeiro calor, depois gelo, ai, ai, ai, estica daqui, massageia de lá... E eu doida pra botar o pé no mundo outra vez, assim, sem ter que ir num pé e voltar noutro, sabe como é? Tudo bem, sou paciente e tenho os pés no chão: andar mancando é um pé no saco, mas não vou meter os pés pelas mãos. Muita calma nessa hora, diz o fisioterapeuta, isso não cura da noite pro dia não. Mas pode acreditar, meu pé esquerdo, só mais alguns dias e botamos o pé na estrada, eu, você e o solidário direito, que bem que merece. Vai ser tudo nos conformes, sapato sem salto, mas sem perder a pose; passinhos lentos, mas seguros, pé ante pé. Juro de pés juntos!

segunda-feira, fevereiro 22

Verão visto da varanda

Querido anônimo de além-mar
Amanhã serão dez dias desde a fatídica queda que me custou o pé imobilizado e muitas horas de desconforto. É pleno verão e, em especial na minha cidade, as temperaturas quase todo dia se aproximam dos quarenta graus. Mas só vejo o sol brilhando da varanda de casa, estou literalmente de molho. Vamos ver o veredicto do médico amanhã. Eu cá espero me livrar das ataduras e tala e passar para uma botinha mais confortável. Torça por mim.

terça-feira, fevereiro 16

Meu pé esquerdo


Brindou-nos a perfeição divina com alguns órgãos em duplicidade: dois pulmões, dois rins, ovários, olhos, orelhas, e também dois braços, duas pernas e assim por diante. Eu, particularmente, tenho razões de sobra para adorar essa decisão do Criador. Se eu não tivesse dois rins, não teria tido a oportunidade de sobreviver nesses mais de trinta anos, quando um deles começou a trabalhar desordenadamente, deu curto-circuito e precisou ser sumariamente extirpado. Bem, apesar de os órgãos serem duplos, fazem questão de demonstrar que são bem diferentes um do outro. Acha exagero? Então por que um sapato sempre fica mais justo num dos pés? E o anel, que no dedo da mão esquerda entra folgado, enquanto no da direita só sai passando sabonete? Não vamos esquecer também dos testes no oftalmologista – raramente o grau necessário a um olho é igual ao do outro. Quem quiser tirar a teima é só fazer o teste do rosto. Tampando verticalmente um dos lados com uma folha de papel ou semelhante, olhe atentamente o lado direito, depois o esquerdo: as desigualdades são tão grandes que não parecem integrar o mesmo rosto. É, é assim mesmo, os órgãos duplos têm sua própria personalidade, do mesmo jeito que gêmeos univitelinos.


Desde ontem essa reflexão – de indiscutível importância para a humanidade!! - bate e volta na minha cabeça. Penso no desentendimento que poderá ter havido entre meu pé direito e meu pé esquerdo. Habitualmente harmoniosos e companheiros, eles me advertem sobre obstáculos que encontram pelo caminho e, mesmo quando estou distraída, eles dão um jeito de enviar uma mensagem rápida ao cérebro acendendo a luz vermelha. Desta vez, não. Na descida de uma rampa discreta na porta do Banco do Brasil (aquele da reta da Penha), o pé direito fez seu trajeto corretamente e o esquerdo... ah, traidor!... o esquerdo se distraiu, pisou em falso, torceu e me jogou no chão feito uma jaca madura. Ai que dor! Que íntima motivação teria tido o desalmado pra me fazer uma coisa dessas? Terá sido medo de eu o levar pra cair no samba na curva da Jurema? Como foi capaz de pensar isso de mim? De agora em diante, vai perder a mordomia. Toda noite ele era o primeiro a ser massageado quando eu ia pra cama. Comprei até um creme à base de mentol, arnica e lavanda para deixá-lo mais fresquinho e repousado. Mal agradecido! Graças a esse atrevido, vou passar uma temporada me movimentando com a ajuda de um par de muletas. Imagine o que é sustentar oitenta quilos num pé só, pulando como um saci. O pé direito é que está pagando o pato, coitado. E tem mais: ainda tenho que colocar gelo muitas vezes ao dia e ficar o tempo todo de perna pra cima. Que isto sirva de lição a você também. Nunca confie num pé esquerdo tão cheio de si.

domingo, fevereiro 7

Um carnaval à procura de identidade


Bem, estive assistindo pela tv uma ou outra escola capixaba desfilar. Vamos combinar, nos últimos cinco, seis anos, a apresentação das escolas passou de um amadorismo sofrível a um profissionalismo pretensioso. É louvável o esforço para melhorar o nível e fazer dos desfiles um espetáculo apresentável. Mas ainda tem muito chão pra caminhar. Vi muita gente que parecia ter sido pega no laço para desfilar, mais preocupada em fazer pose para a câmara ou dar adeusinho pros amigos na arquibancada, sem nem fingir que estava cantando o samba ou dando alguns passinhos. Desfile é alegria e diversão, mas não é brincadeira. Nosso carnaval tem história e os compositores da velha guarda, ritmistas e sambistas das comunidades merecem ser respeitados. Fiquei pensando se é justo importar carnavalescos e técnicos do carnaval de Parintins ou do Rio de Janeiro, como ocorreu este ano. Da mesma forma, vale a pena trazer porta-bandeira e mestre-sala cariocas para fazer evoluções sem nenhuma garra no Sambão do povo? E o que dizer dos destaques ‘estrangeiros’ que desfilavam as caras fantasias nos pobres carros alegóricos? Vale tudo pelo espetáculo? E mais: ouvi dizer que até os sambas-enredo estão ganhando um tempero carioca. Isso, segundo o informante, profundo conhecedor do mundo do samba capixaba, descaracteriza as escolas, anula sua marca registrada. Conclusão: se as escolas não tomarem cuidado, muito em breve vão se transformar em sucursais das escolas cariocas. Isso, aliado à praga dos trios elétricos que há algum tempo animam as multidões nas principais praias do Estado, dá bem a medida da crise de identidade do carnaval capixaba, perdido entre a cariocarização e a baianização. Onde é que isso vai acabar?
foto: gazetaonline

Carnaval em duas etapas



Vitória talvez seja a única capital do Brasil que tem dois carnavais no mesmo mês, com intervalo de uma semana entre um e outro. Ou melhor, o carnaval é realizado em duas etapas: num fim de semana, tem o desfile das escolas no Sambão do Povo, a Sapucaí da cidade. No fim de semana seguinte, é o carnaval popular, com blocos de rua em vários bairros, bailes infantis, trio elétrico e praias cheias com muito barulho. Diz a lenda que essa invenção foi introduzida no calendário da folia capixaba nos idos de 1997 porque o então prefeito, que tinha estudado e trabalhado no Rio, freqüentava a Banda de Ipanema e desfilava por uma escola carioca. Assim, para poder cumprir sua agenda naquela cidade e não se ausentar da festividade na cidade que governava, propôs a antecipação do desfile em Vitória. Como o substancial patrocínio da Prefeitura, a Liga das Escolas de Samba não teve outra saída senão acatar. O prefeito foi reeleito e o carnaval antecipado prevaleceu por dez anos. O prefeito seguinte manteve o que já havia se tornado tradição. A Liga justifica dizendo que muita gente viaja durante o Carnaval e não teria sentido investir tanto num desfile para pouca gente apreciar. Pouca gente quem, cara pálida?

foto: gazetaonline

sábado, fevereiro 6

Quando a família se desfez




Quando a família se desfez, uma parte dela também se desintegrou junto. Era como se tivesse afundado num rio caudaloso e turvo. Por mais que tentasse, não conseguia manter-se na superfície. Se conseguia recuperar o fôlego, logo a correnteza a levava, jogando-a de encontro às pedras. Afundava e vinha à tona sucessivas vezes. Então agarrava com força a rala vegetação, para desfrutar de alguns momentos de paz, antes que o ciclo recomeçasse. Nesse vai-e-vem, sem que se desse conta, foi se fortalecendo. Até que um dia se viu em terra firme, livre do redemoinho das águas.


Quando a família se desfez, mal tinha saído da adolescência. Ah, se pudesse, desaparecia no mundo! Eles não tinham o direito de anunciar, assim, sem mais nem menos, que estavam se separando. Como ia voltar pra casa e encontrar um lugar vazio na mesa do almoço? Como ia ser a vida dali em diante? Ambiente pesado, grana regulada, mágoas e interrogações. Mais que nunca precisávamos umas das outras, mas a dor impedia os gestos de carinho, faltava força e confiança para dar o passo adiante.


Quando a família se desfez, entendeu, depois de muito sofrimento, que a vida não pára. Tratou de enfiar a cara nos estudos e entrar no mercado de trabalho. Não era a primeira nem seria a última filha de pais separados (embora isso não estivesse nos seus planos). Como tudo tem suas compensações, cedo aprendeu a enfrentar entrevistas de emprego, aceitar desafios e mostrar que sabia das coisas. Conviveu com superiores educados e superiores grosseiros, patrões competentes e patrões que estão no cargo por simples favor. Mas conheceu também gente do bem que lhe deu a mão, carinho, estímulo. Nesse caminho construiu boas amizades.


Quando a família se desfez, percebeu que sua vida ia dar uma guinada de 180 graus, claro. Mas não imaginava que a sorte a levaria para tão longe. Até que valeu de alguma coisa ter nascido por acidente em Lisboa. Pois foi justamente ali que se instalou, depois de um estágio de um ano numa cidadezinha próxima. Era um sonho: sozinha em plena Europa, num país estranho que fala uma língua parecida com a nossa, dona do seu nariz, construindo seu próprio destino. Ali trabalhou duro, montou sua casa e fez suas próprias escolhas. Viajou. Ganhou experiência, amadureceu emocionalmente, enfim, se transformou numa excelente administradora no ramo de petróleo. Viajou. Conheceu pessoas e aprendeu mais sobre a alma humana. Algumas vezes foi feliz.


Nesses mais de seis anos em que permaneceu do outro lado do oceano, a ponte com a mãe se consolidou. Ela, a mãe, se alegrou com as vitórias da filha, se afligiu com suas ansiedades, se preocupou a cada doença e se desesperou com o tornozelo fraturado que precisou ser fixado com duas placas de metal. Abraçaram-se virtualmente centenas de vezes e ao vivo, talvez uma meia dúzia. Orgulhou-se milhares de vezes da coragem da filha. E só segurava a saudade porque sabia que é assim que tem que ser, que “os filhos são para o mundo” e que os ganhos eram infinitamente maiores que as perdas.


“Para tudo há um tempo, para cada coisa há um momento debaixo dos céus...” Chegou o tempo da recompensa. Chegou o tempo do reencontro. A filha está voltando para casa. E a mãe, vibrando de felicidade, abre os braços para recebê-la. Wellcome home, kid.

terça-feira, janeiro 26

É verão!


Já tive verões mais animados. Enfrentava a fila de ônibus na maior esportiva e viajava cinqüenta, sessenta minutos, do centro de Vitória até a Praia da Costa. O point era bem no final, próximo ao local onde hoje está o clube Libanês. Pra compensar a viagem, tinha que ficar lá pelo menos até as duas da tarde. Era bronca na certa quando chegava em casa, mas valia a pena pelo bronze e pelas pernas grossas da rapaziada. Depois tinha os embalos de sábado à noite. Quanto romantismo! E muita diversão. Tirando os rocks, cha-cha-chas e outros ritmos, com coreografia própria, a gente dançava agarradinho ao som dos Beatles, Chico Buarque e muita MPB. As melhores danceterias funcionavam nas próprias faculdades, podem acreditar! Ali acontecia de tudo, desde reuniões políticas até beijos escancarados e amassos disfarçados. Vida cultural intensa: cineclube, peças locais, festival de música e de poesia. E assim todo mundo se conhecia de nome ou de vista. E os relacionamentos costumavam durar mais que um verão. Às vezes permaneciam uma vida inteira. Ah, ia esquecendo dos botecos. Alguns famosos, ponto de encontro da intelectualidade jovem; outros nem tanto, mas onde conviviam civilizadamente os mais engajados e os menos engajados. Gostoso era voltar pra casa tarde da noite, caminhando pelas ruas desertas do centro da cidade. Conversando e rindo muito, talvez pelo excesso de cerveja. Ou simplesmente por felicidade. Verões inesquecíveis! Não saberia dizer por que vieram à tona justo agora... talvez pelo contraste com este verão de sol brilhante e quente, mas sem o calor de outros tempos. Em que esquina se perderam os sonhos e a audácia daqueles verões tão calorosos?

domingo, janeiro 24

Metamorfose


Começou assim devagarzinho. Fugia do espelho, sempre achava que a imagem refletida não coincidia com aquela que viu pela última vez. Quase não saía de casa, não suportava o calor, que oscilava entre 35 e 40 graus. Quando era absolutamente necessário, saía à rua depois das seis da tarde com o sol começando a esfriar. Seu contato com o mundo se restringia às notícias filtradas pelos telejornais: escândalos, crimes, acidentes graves, catástrofes naturais, coisas do gênero. Ou a mais uma história de helena no horário nobre da emissora global. Começou a achar que havia um plano para acabar com a vida do planeta, algo como seres de outro planeta travestidos de governantes, que ganham a confiança do povo e depois a destroem inescrupulosamente. Roubos, mentiras, medidas enganosas, impostos escorchantes. Ano após ano as condições de vida pioravam e milhares de pessoas acreditavam o contrário. Os discursos enganosos pareciam anestesiar as consciências mais e mais. Decididamente já não via saída. Então teve crises de ansiedade, depressão, e, por último, síndrome do pânico. Fechada em casa, passava o dia conectada à internet, tentando encontrar alguma palavra de esperança. Nada lhe parecia verdadeiro, porém, nem mesmo as manifestações solidárias às vítimas de um terremoto que não deixou pedra sobre pedra num país latino americano. O telefone passava dias, semanas, sem tocar. Os amigos, desconfiados de que alguma coisa ia mal, se retraíram. A família já dava como um caso perdido. Ela começava a dar sinais de transtornos mentais. Começou a falar sozinha, o corpo vez por outra tremia. Um dia sonhou que estava feliz, no fundo do mar. Quando acordou, se deu conta de que tinha se transformado numa ostra.

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As pérolas são feridas curadas. As pérolas são produtos da dor. A pérola é o resultado da entrada de algo indesejável no interior da ostra, um parasita ou um grão de areia. A parte interna da concha de uma ostra é chamada nácar. Quando um grão de areia a penetra causa dor e sofrimento, porém as células do nácar começam a trabalhar, produzindo uma substância e cobrindo o pequeno grão de areia para proteger o corpo indefeso da ostra, formando, assim, a pérola.

quarta-feira, janeiro 13

Ano novo, tragédias nossas

2010 começou pesado. Como se não bastasse a tragédia na ilha Grande e em Angra na noite da virada do ano, o dilúvio no sul com rios transbordando e inundando cidades inteiras, o casario de um patrimônio histórico no interior de São Paulo sendo levado pelas águas, pontes desabando como castelos de areia e pessoas, muitas pessoas,desabrigadas, desesperadas, mortas, assistimos, aterrorizados, a tragédia de ontem no Haiti. Apesar de não ficar muito distante de terras brasileiras, do Haiti sabemos apenas que se trata do país mais miserável das Américas e que sempre enfrentou guerras e ditaduras sangrentas. Neste momento é controlado por forças da ONU, das quais fazem parte contingentes de soldados brasileiros. O grave terremoto que destruiu mais de 60% da capital Porto Príncipe, matou milhares de haitianos, e também muitos dos brasileiros que ali praticam o voluntariado para amenizar a fome e as precárias condições de vida da população local. A pergunta que não quer calar: que lição devemos tirar desses fatos que atropelaram o nosso cotidiano no momento em que ainda nos desejávamos um ano novo cheio de alegrias e muitas coisas boas? O que temos que aprender dessa forma tão dolorosa? Fica a pergunta. Por oportuna, reproduzo uma declaração de D. Paulo Evaristo Arns, ex-arcebispo de SP e irmão da médica Zilda Arns, uma das vítimas brasileiras no terremoto do Haiti: “Não é hora de perder a esperança!”

sexta-feira, janeiro 1

novo ano

foto Folhaonline

FELIZ ANO NOVO!


UM 2010 NOTA 10 PARA MEUS QUERIDOS LEITORES !